terça-feira, 18 de setembro de 2012

O misterioso coração de Sérgio Sampaio

Como temos feito aqui no blog, garimpamos na internet o que é publicado sobre Sérgio Sampaio para postarmos no blog. Encontramos um belo artigo de Léo Nogueira que publicamos.





Há exatos 17 anos morria o compositor "maldito" Sérgio Sampaio, de uma crise de pancreatite. A título de curiosidade, pesquisei no arquivo da Folha de São Paulo e encontrei uma ínfima nota, escrita por free-lance, numa lateral de página dedicada aos obituários onde se lia: "O cantor e compositor Sérgio Sampaio, 47, morreu às 5h de ontem, no Rio. Autor da música Bloco na Rua (sic), Sampaio morreu de pancreatite crônica. Ele estava internado no Hospital Quarto Centenário, no centro, desde abril. O enterro será hoje, às 10h, no Cemitério São João Batista". Só. Como se se tratasse de um anônimo. Bem, pelo menos, se o nome do sujeito lhe gerava dúvidas, sua associação à música "Bloco na Rua", ou melhor, Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua, certamente lhe deve ter lançado luz. Afinal, quem nunca ouviu "Eu quero é botar meu bloco na rua/ Brincar, botar pra gemer/ Eu quero é botar meu bloco na rua/ Gingar, pra dar e vender"? Pois então, Sérgio Sampaio é o autor da canção que contém esses versos, canção esta que participou do VII FIC (Festival Internacional da Canção), em 1972, vencido por Fio Maravilha, de Jorge Ben (muito antes de vir a ser Ben Jor). No entanto, o lançamento logo em seguida de um compacto com Eu Quero É Botar... ultrapassou a considerável soma de 300 mil vendas.

O Brasil tem tantos bons compositores, que acabamos nos acomodando com os que estão, digamos, mais à mão, sem nem sequer imaginar que um pouco de pesquisa fatalmente nos faria esbarrar em outros artistas de grandiosa obra, talvez maior até do que a de nossos queridinhos midiáticos. Foi o que aconteceu comigo em relação a Sérgio Sampaio. Apesar de não estar de todo alheio a ele e a sua obra, e apesar de ter em minha casa uma discoteca/cedeteca considerável, não possuía nada dele. O acaso veio preencher-me essa lacuna.

De maneira politicamente incorreta, deparei-me com a obra-prima Cruel, CD póstumo e trabalho incompleto, que, graças à costumeira generosidade de Zeca Baleiro, que o concluiu e lançou (por seu selo Saravá Discos), veio finalmente à luz doze anos após ter sido fecundado. E o impacto em mim foi tão fulminante que não tive outra saída que não ir a esses blogs amigos baixar sua discografia anterior, visto que seus discos permanecem fora de catálogo. A conclusão a que cheguei foi a de que o Brasil perdeu um compositor em plena evolução, pois uma mais apurada análise mostrou-me que estava havendo uma melhora gradativa disco a disco. A se manter essa linha de evolução e a doença não lhe subtraísse os anos, viriam discos primorosos na sequência de Cruel.

Claro que são conjecturas. Pode ser que seu inconsciente, trabalhando tendo em vista a fatalidade que se aproximava, tenha-o motivado a criar tão viscerais e pungentes canções. Não foi sem um quê de melancolia que assisti a sua situação retratada em alguns vídeos caseiros disponíveis no youtube com imagens suas, magérrimo, cantando e tocando alucinadamente, de bermudas e chinelas, no que pareciam ser residências simples. E, quando seus olhos miravam a câmera, havia neles fúria, fome, raiva, medo, deboche... Uma verdadeira fera acuada usando suas armas (a música) pra se defender... e atacar... Sorrindo.

O sucesso que Sérgio Sampaio conquistou no começo de sua carreira (e que nunca viria a se repetir) é o que a maioria dos artistas passa a vida perseguindo. Só que, no seu caso, foi sua própria destruição. Despreparado (e desprevenido) por esse sucesso que lhe caiu na cabeça como uma rocha que despencasse da montanha, Sampaio, naturalmente, foi até os limites do que tal condição lhe permitia, às vezes até os ultrapassando. Sérgio Natureza, um de seus poucos parceiros, disse à Folha, quando do lançamento de Cruel, que a carreira do amigo foi atrapalhada por seu temperamento. "Ele era muito inteligente e defendia seus porquês com toda a força. Era transparente, claro, franco, o que talvez não fosse politicamente correto". Seu primeiro LP, mesmo contendo Eu Quero É Botar..., obteve vendas bem aquém do que se esperava, e assim, sucessivamente, ao passo que lapidava cada vez mais suas canções (e sua poesia), mais se afastava do sucesso com o qual quase sem querer se deparara.

Contudo, ou talvez por isso mesmo, essa derrocada artística proporcionou-lhe uma experiência de vida que lhe possibilitou construir, à margem da indústria, uma das obras mais relevantes (e subestimadas) da música popular brasileira. Não à toa Sampaio, descoberto por Raul Seixas, apesar de ter construído uma obra na qual predominavam ritmos brasileiros, é, não raras vezes, associado aos roqueiros, chegando mesmo a ser admirado por muitos destes. O fato é que, assim como sua vida não conhecia fronteiras, sua canção ia pela mesma estrada. Eclético e livre, sem as amarras que uma gravadora lhe imporia, usava e abusava de sonoridades e ritmos os mais variados, de acordo com o que quisesse dizer. Assim, rock, jazz, choro, samba e o que mais coubesse em seu volão não passavam de ferramentas pra que dissesse o que tinha pra dizer. E ele tinha muito.

Tiro o chapéu pra Zeca Baleiro, que conseguiu finalizar Cruel com o amor necessário pra não deturpar um trabalho tão ímpar como o de Sampaio. Como, infelizmente, não encontrei esse CD em nenhuma loja (tomaria nas prateleiras o espaço de futilidades mais consumíveis), tive que o baixar, assim como aos anteriores Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua (1973), Tem Que Acontecer (1976) e Sinceramente (1982). O que quero dizer é que passei a ouvir na sequência as canções dos quatro discos, e a impressão que me deu foi a mesma de ler um bom livro em vários capítulos. Ou seja, o enredo avança, mas a linearidade no estilo permanece. Ouso dizer que, se Sampaio tivesse vivido tempo suficiente pra finalizar ele mesmo seu último disco, não teria chegado a um resultado muito distinto do que o alcançado por Zeca. E, ainda assim, ouvem-se ecos do Baleiro ali, o que dobra o interesse sobre o trabalho.

Entre as tantas frustrações acumuladas por Sampaio, talvez a maior delas tenha sido não ter nunca conseguido que seu ídolo maior e seu conterrâneo Roberto Carlos (ambos nasceram em Cachoeiro de Itapemirim-ES) gravasse algo seu. Passou perto, pois foi gravado por Erasmo. Mas, se não logrou o intento, em algo se parecia com o "Rei". E, por que não dizer?, com o próprio Chico Buarque: Roberto excomungou seu talvez maior sucesso, Quero Que Vá Tudo Pro Inferno; Chico deixou A Banda a ver Titanics; e Sampaio nunca resolveu a equação de ter que conviver o resto da vida à sombra de seu "Bloco na Rua". Como na canção que fez pra seu pai, Pobre Meu Pai, bem desabafava: "Hoje, meu pai/ Não é uma questão de ordem ou de moral/ Eu sei que eu posso até brincar/ O meu carnaval/ Mas meu coração é outro".

Batesse hoje seu coração, Sampaio certamente lhe diria: "Suje os pés na lama/ e venha conversar comigo"; afinal, "um livro de poesia na gaveta não adianta nada,/ lugar de poesia na calçada"; saiba que, "tropeçando bêbado pelas calçadas/ me recordando de não ter bebido nada/ e olhando essas luzes que se apagam lentamente,/ eu sou a luz e a semente". É que "quanto mais eu sofro/ mais coração me aparece"; e "tanto faz eu ser poeta ou pirado/ tanto faz ser inocente ou culpado/ tudo isso é tão normal/ a porta sempre vê o outro lado". Mas eu "tive cuidado de ter os pés quase sempre no chão/ e a cabeça voando/ como se voa na imaginação,/ longe do resto do bando,/ mas sempre perto do meu coração"; porque "mais do que cantar pra o mundo inteiro,/ eu quero cantar primeiro/ só para o seu coração"; no entanto, "pra você que mal enxerga,/ uma nave extraterrena/ vai ser sempre um avião"*. Por isso que acho que "não há nada mais sozinho/ do que ser inteligente/ e poder cantarolar,/ errar, desafinar,/ assim sinceramente". Só eu "sei como dói meu amor de poeta,/ se vê linha reta/ quer logo entortar,/ meu coração é de quem não tem cura/ procura e torna a procurar/ e você nunca esta lá". Mas, fazer o quê?, "quem é do amor é mais quente/ viaja contra a corrente/ tem sangue de aguardente/ nas doces veias do amor"; por isso "pus meu carro no declive sem sequer o freio de mão/ e amei como se o amor fosse o esteio da vida". E é por isso que "solto meus bichos/ pelas músicas quando me aflijo,/ mas um homem sem esse feitiço/ e sem um carinho a que recorrer/ pode matar/ querer morrer,/ pois perdeu todo o sentido de viver"



*Fragmento extraído da canção Cabra Cega, melodia de Sampaio e letra de Sérgio Natureza.



11 comentários:

  1. parabéns pelo blog! conectei! sucesso!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Gostei muito do teu blog, achei no facebook de uma amiga. Fazia tempo queria ouvir música brasileira de qualidade e ao me deparar com Sérgio Sampaio me encantei.
    Maharesh

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  4. Uma amiga no Facebook,postou um vídeo da música Quero botar meu bloco na rua e após ouvir a letra , associei ao momento vivido por todos nos brasileiros e fui buscar mais informações sobre Sergio Sampaio e me deparei com seu blog. Excelente trabalho. O primeiro que realmente fez jus ao brilhantismo de Sergio Sampaio

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  5. Espetacular seu trabalho sobre Sérgio Sampaio. Parabéns! Fui procurar informações sobre a música "Cruel" e me deparei com seu texto tão bem escrito!

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  6. Parabéns ! Viva a memória de SÉRGIO SAMPAIO.

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Adorei o blog, vc está de parabéns. Fico feliz por ter alguém se recordando do Sérgio Sampaio e fazendo o pessoal se recordar também.

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  9. SOU FÃ INCONDICIONAL DE SERGIO SAMPAIO!

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  10. Parabens por lembrar do grande sergio sampaio.

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  11. Super lembrança, adoro Sérgio Sampaio!

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